sábado, 30 de junho de 2012

é que ontem fiquei olhando muito tempo um livro na estante da carol

este sonho foi assim: só lembro da cara de um menino de coisa de 8, 10 anos. ele era um menino de filme do truffaut, ou de foto do doisneau, um menino em preto e branco. se mexia, vivo. e ele tinha em volta da cara uma moldura ambulante que o acompanhava. embaixo dela, o título, que também era o nome do menino: O ROMANCE.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

do diabo tenho alergia do diabo

lembrei-me repentinamente da cura e do dom para. há um pedaço que viaja pelas lágrimas, mas há maior pedaço que se concentra em não se desesperar, em contornar, em fazer pensar o melhor. com tantos defeitos, o maior deles não será a fraqueza.

havia uma cena da memória que retornava. fantasiada de fantasma, ou fantasma mesmo sendo, era uma viagem. eu, que já fui samurai, eu que uso azul todos os dias, costurando. costurar a língua com a linha azul, a língua do pensamento labareda, queima. tornar azul, a água arrefece e amacia, a língua.

dentre os elementos falta-me o ar
sem nunca fazer falta

eu mesma cometo muitas
derrubo o atacante na área
etc etc etc etc etc etc

fica cansada não
mia fia faz pão.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

ternura

minha mãe tão
justa, pela justiça enfeitiçada.
eu: feiticeira do critério.
oscilaria quanto mais
fosse preciso, mas agora
vou dizer: tu és a minha
carne, ó dor (ó mãe), e
eu sou a tua voz e
te farei quantas vezes sofrer
por nós.

terça-feira, 26 de junho de 2012

instruções para melhorar as coisas

o comandante trouxe uma bandeja com os dejetos. havia três olhos nela. por conta da falta de um para dois pares, logo se pensou que o olho que sobrava ainda estaria nas órbitas de alguém, que havia perdido, portanto, um. 

ah! se no mundo tantas coisas fossem lógicas como aquela bandeja.

- - -

tive um avião, tive um comandante.
fui feliz.
hoje, o avião quando sobe apita. o comandante foi beber água
beber água
e saltou.


- - -

se fosse possível trazer uma estrela da próxima vez?


- - -

respire uma vez
respire outra
respire uma vez
respire outra
respire uma vez
respire outra
respire respire
respire respire
reprise

- - -

seja, você também, o verão dos seus contemporâneos.

No hay poema en sí, sino en mí o en tí.

Don Octavio, el amor.

domingo, 24 de junho de 2012

ou a pangéia craquelasse um cadinho mais lá

estou com sinceras impressões
de que hoje é janeiro
se houvesse manga, era bahia
e que caetano quando compôs
baby "vivemos na melhor
cidade da América do Sul"
se referia à Lisboa.

se a crise é "européia" achei
a solução;

sexta-feira, 22 de junho de 2012

o melhor lugar do mundo

o melhor lugar do mundo
é o mundo. se eu me chamasse raimundo
talvez não tivesse cortado o cabelo ontem.
hoje a grécia vai eliminar a alemanha.
ontem depois do jogo
quis vos dizer: é bom vê-los felizes.
depois eram 4h da manhã e acordei com uns gajos gritando
ainda lá embaixo
a vitória. achei melancólico.
não perdi o sono.
o primeiro dia do verão é hoje.
e eu sou uma aventura
enrolada entre os galhos
uma andorinha se esconde
ainda não é hora de guardar
nem de tirar as mantas
esse verão mais frio do que o frio.
mas hoje esquentou
e eu tenho onde ir
quem amar e
o hábito de dizer três coisas
diferentes e completamentares.

realce

eu ontem comecei a escrever também aqui
quem faz pesquisa é o google, eu estudo.

El remedio contra la sensación y su dispersión instantánea es la reflexión. Entre una sensación y otra, entre un instante y otro, la reflexión interpone una distancia que también es un puente: una medida. Esa distancia se llama ritmo, también se llama símbolo e idea. 

Don Octavio, el perseguidor.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

propício

tudo tão só
no próprio lugar
que nem me interessa escrever um poema
a não ser que ele fale
do próprio lugar
em que tudo está.

os acontecimentos
como são? e o amor?
entretanto dizem tanto
não sei se vertigem
rumor da água
o princípio do caos.

os seixos shhhhhhh
rolam fazem ssssss
ilêncio tinha três filhos
ilêncio filho, ilhota e ilharga.
deles agora resta o aroma.
ponho os pés sobre a mesa.
o isqueiro que acabou
tanta coisa
pra se pensar.

não definhar
na insistente, hi-
     per dura
     vida.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

13/03/12 (à máquina)

no autocarro pensei em fazer uma série no livro de poemas de retratos familiares. depois lembrei que [...] sem dúvida outro seria para o meu vô [...]

       meu avô era tipo marlom brando
       que depois empenou como uma pipa de massa
       os portugueses gostam de gordura
       que é uma forma de aliciamento do desejo
       da matéria.
o que mais interessa falar no caso desse vô é dos olhos.
        meu avô me regulava os corredores escursos
        e xxxxxxxxxx o sexo infantil dos objetos macios
        seu olhar morto viajava pela criança que fui
        e foi bem mais tarde que as duas fotografias
        em cima do móvel da casa da minha vó
        que notei no meu olhar de sete anos
        o moleton roxinho e a franja cortadinha
a foto para o passaporte para vir conhecer
aos sete anos esse país onde vim viver
e da onde meio que meu avô era
e pra onde veio concluir, em coimbra, os
estudos, com a minha vó, muito apaixonados
vê-se nas fotos - - - mas em cima do móvel
denso da minha vó, a fotografia dele era muito
maior e de outra oficialidade, uma foto de cargo
a cabeça inclinada, catedrático ou reitor, mas o olhar
o modo de olhar, o ângulo meio vesgo e aquático
perfurático e diretivo, do meu avô aos 40 e tantos
era idêntico, era o meu aos 7 anos.
esse olhar de ter idéias, ainda me acompanha
hoje.      nem sempre, talvez
               as melhores.

[...]
essa noite eu sonhei
(tão óbvio)
que eu tinha cavalos
no lugar dos pulmões

quarta-feira, 13 de junho de 2012

homens que

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

#

Homens que são como projectos de casas
Em suas varandas inclinadas para o mundo
Homens nas varandas voltados para a velhice
Muito danificados pelas intempéries

Homens cheios de vasilhas esperando a chuva
Parados à espera
De um companheiro possível para diálogo interior

Homens muito voltados para um modo de ver
Um olhar fixo como quem vem caminhando ao encontro
De si mesmo
Homens tão impreparados tão desprevenidos
Para se receber

Homens à chuva com as mãos nos olhos
Imaginando relâmpagos
Homens abrindo lume
Para enxugar o rosto para fechar os olhos
Tão impreparados tão desprevenidos
Tão confusos à espera de um sistema solar
Onde seja possível uma sombra maior

# #

Amanhecemos sem materiais suficientes para a luz total
Embora nos estiquemos como cabras nos penhascos para os arbustos
Mais tenros, esticamo-nos para não nos doer a lembrança
Das manhãs tão sossegadas dos cavalos nos pastos

Explico que amanhecemos mastigando as ervas venenosas
Buscando um som mais poderoso do que o bater dos cascos
Um balido interior reunindo rebanhos
Uma palavra fonte múltipla como o úbere das cabras

Amanhecemos cheios de sede como se viéssemos de um outro hemisfério
Num galope rápido
Esticando-nos como arbustos tenros chamando
Amanhecemos nocturnamente fincando os joelhos nos penhascos
Levantamo-nos para sacudir as crinas para escovar os cavalos

Amanhecemos sem braçados bastantes para a luz
Queimados pelas palavras.
Organizamos rebanhos junto das águas
Andamos nas margens no meio da tarde.
Esticamo-nos para seremos setas de fogo
Ou o som dos chocalhos trespassando
Os mais tenros rebentos das chamas.



(poemas do Daniel Faria, de "Homens que são como lugares mal situados".)

domingo, 10 de junho de 2012

os alquimistas estão chegando

eu chegava numa casa suspensa por colunas, e o chão dela por baixo era todo gramado. eram duas casas vizinhas, uma muito bem cuidada, a outra não tanto. eram como imagens do passado e do presente. a do passado estava mais arruínada, impressionava o desgaste, mas também se notava o mais simples: de que não havia nada lá, além de muita atmosfera de tudo. a entrada nelas era por alçapões embaixo, mas como o terreno ficava em declive, as faces da frente delas também tinham janelas. não era minha casa, mas eu tinha sido convidada, e havia muita gente lá. 

eu procurava por um cão que era da casa, e encontrava num velho tanque, improvisado, uma casinha para filhotes de cães que tinham nascido faz pouco. quando pegava um deles, era o cão mais lindo do mundo, e já tinha uns seis anos. uma espécie de basset hound, só que com a pelagem escura e brilhante, e com uma crista feito a de um cavalo. andávamos pelo terreno, éramos amigos.

repentinamente eu estava no centro do terreno, aquele lugar era uma vila medieval e queriam me enforcar. perguntavam o que eu queria, que eu tinha ido ali roubar o capitão. eu dizia "não, o que quero é o cachorro do capitão". então eu virava um navegante japonês, samurai, umas roupas do século XIX, me davam um barco à vela e o cão.

eu via no sonho eu navegante com o cão, navegando no mar sem tamanho, que era azul azul azul, e brilhante, todo ondulado como se eu visse montanhas no mar. um mar de lona, mas não, mar de água. minha vela cortava o oceano, o cão era meu, tão maior o azul.

sábado, 9 de junho de 2012

um volkswagen blues

está no forno a tradução que acabei de fazer de uma caixa de massa "bambino". acho que significa "lasanha" em alemão.

eu tinha escrito isso no facebook e daí vi que portugal acabou de perder da alemanha, não tinha nada a ver acharem que eu tava falando disso.

então era outra coisa que eu ia escrever aqui, mas acabou saindo isso. a vida é assim, cheia de encontros. puta merda.

terça-feira, 5 de junho de 2012

a única coisa que você não pode me pedir é pra que eu seja indiferente.

da minha geração, o que não me interessa

em se fazendo brilhantina tudo dá

pop-poética
é a estetização da estetização;
a estetização da crítica
é o pensamento com medo de baralhar os cabelos;
a estetização da indiferença
é a agulha do dandy no olho do teu cu.

o poeta é a antena da praça

o mundo cada vez mais difícil
e eu cada vez mais frágil. penso em poetas mortos, que foram mortos. alguém disse que os poetas já não significam tanto que não seriam mortos por um regime totalitário. mas o totalitarismo mudou. é tanta coisa pra pensar.


saber das coisas eu não sei. não. tanto que tua voz entrecortada pelo vento da praia
parte em mim um raio
cúbicos de pele.
ter mãos, ossos, rastros
pra indicar o caminho.


posso dizer aos outros pra que pensem com o coração das coisas, e dizer até pra que pensem com o corpo do corpo,
mas em mim a revolta do corpo é pensar. e pensar é o cinzel
dura bruta
matéria
fino passo, trote
galope.

e a metade árvore
o raio abre
um tronco em dois.

do quebrado nasce um deus:
entrega & medo, cavalo.

doce cavalo, peço
com a tua língua impura
por onde passar
tece e cicatriza

amor.

domingo, 3 de junho de 2012

domingo. ontem fiz um bolo de maçã. hoje passo a tarde, ainda não passei a tarde, digo. acordo e passo inseticida no chão do quarto e no chão da sala, um preventivo, que o verão traz em lisboa pulgas & baratas, outros afins. mas o inseticida acaba antes da casa toda e um domingo tão lindo, as mortes terão de esperar. calculo um passeio a pé daqui até belém são quase dez quilómetros. acho que é o suficiente. mas terei de esperar o sol baixar e me perguntar se quero ir mesmo  - e não ir comprar mais inseticida. já limpei os vidros, a roupa a lavar. ou eu que não sei mais descansar sem cansar. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

poemas do destino do mar

do livro que estou pra terminar, "poemas do destino do mar", inédito como a vida:

XXV

Quem fundou esta cidade
foi fundo o suficiente?
Quem veio por aqui primeiro
será que eram dois ou vinte ou duzentos
estavam armados
com mais fome do que fé?
Calcularam pelos astros,
Ou vinham tranqüilos
gestantes do acaso
nem se noticiaram a notícia da nova povoação
foram percebendo aos séculos que ficavam, dias
após
que a cada noite dormiam
todo solo tem um imã que nos puxa ou repele
Ou a cada noite dormiam mais tarde
de tão próximos uns dos outros que estavam
começavam a se identificar uns com os outros
até que de outros viraram os mesmos
um povo, uma língua, uma situação,
porque tinham tanta noite por fazer e por falar
Que brigavam
por honra e tédio,
nasceu a cidade.
E bebiam vinho?
E comiam batata?
Só muito mais tarde amuraram
Notaram que o cume os defenderia?
Ou subiram pelo esmero da montanha
e as lavadeiras reclamariam
de ter que viver ao topo e descer dia a dia,
Ou naquele tempo as pessoas de nada reclamavam
ou ainda não havia lavadeiras
porque eram nômades e todos faziam de tudo
ou porque nada limpavam
Ou porque passavam o dia a se lavar
gostavam da água, chapinhar, boiavam imensos
abraços no rio, bolinhas pelo nariz
e sempre muito limpos cheiravam uns as partes dos outros
Com o mesmo amor de quando te olho de cima, cidade,
notaram que você nem sempre esteve aqui
embora esteja e estará por mais tempo do que eu,
Não se deve comparar casas com homens, ruas com homens
mas eu comparo tudo com homens
e por vezes escolho as casas, os homens, as cidades
mas quase sempre estou vendo a cidade por dentro dela demais
e todo mundo sabe que um coração é um labirinto de monóxido de carbono
que o digam os centros das nossas cidades
Os centros das nossas cidades já não fedem a estrume
embora neles floresçam outras pestes
e enquanto olho atenta cidade por cima
dá um vento aqui - é tão alto – e meus ossos doem por dentro.
É inverno e o inverno nos enche de frio, de dúvidas e de ossos
De se quando chegaram nesta cidade
os primeiros habitantes
muito antes de ser uma cidade
muito antes de haver habitantes
quando lá descansaram – porque ainda não era
aqui, - a cidade não lá começou perto do rio? –
um homem e uma mulher se comeram
– como nós também – é inevitável –
encontraremos cidades por fecundar.



spread your wings

com tanto sono. escrevendo
como o vinícius de moraes falando em espanhol
só que em português.

não há café que me ensine a escrever o jacarandá ali no fim do pátio.
(sim, há jacarandás em lisboa e eles florescem na primavera como tudo).

não sei o que achariam os avaliadores (projeções do inevitável) se soubessem os níveis de *** com que produzi estas provas. creio que reprovariam um aviador profissional, ou um ciclista em competição internacional. pra mim, no máximo, algumas vírgulas terão de ser sanadas e se do acidente restar um olho, ele É MEU.

a boa casa ao filho torna

O homem público no. 1 (Antologia)

Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.


[Ana Cristina Cesar, do "A teus pés".]
 

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