sábado, 21 de janeiro de 2017

 
ontem passei a noite com a ana cristina cesar, e o sparkling passado no céu da boca que ela me traz, passado tanto tempo, hoje em dia até eu já bebo a água com gás que antes achava amarga. tem alguns autores dos quais tenho receio de falar aqui no facebook porque sinto atmosferas de divinização do impacto que seus poemas causam que deixa as gentes meio paralisadas em frente deles. são mestres do efeito, é natural, mas eu, que certamente sou devota de ana cristina, não quero cair nessa.
voltei a pensar na ana cristina depois de uns dias vivendo em inglês em outubro passado, é curioso que certa dicção da justaposição (que banho delicioso de juntar tudo e mais um pouco que ela faz, sem nunca perder o charme da delicadeza) tenha voltado depois em meio da gagueira mental que sempre acontece quando começo a pensar em outra língua. foi assim, ouvindo outra língua que, depois de quase um ano sem, voltei a escrever.

*

só tenho conseguido ler à noite, no silêncio da madrugada. e tenho dormido quase todas as noites cedo, porque tenho trabalhado cedo, mas quando acontece um espaço, como hoje, passo a madrugada em silêncio com algum livro de poesia. ontem foi a ana cristina, hoje é a hilda hilst. uma semana atrás foi o cummings.

isto porque eu tenho procurado posturas gestuais, gestos rasantes e precisos, em poemas que eu já li algumas vezes, e que de repente me lembro deles e vou lá reler doze, quinze, dezoito, quarenta vezes, em voz alta baixa, de trás pra frente e pra trás. pulando voltando arfando gaguejando é sexo, a poesia. é sexo.

e o que é lindíssimo no que eu tenho encontrado é que os poemas me fazem sorrir pelos elegantes traços que ligam, pelos gestos da linguagem dançando, no maior espectro de emoções possíveis, como disse eliot falando de dante.

mas tudo é mais simples, o que eu quero dizer é que encontro nos poemas de amor o que se encontra de melhor, é que eles fazem sorrir mesmo a fingir que é dor, a dor que deveras sente.
como não estou escrevendo um livro de poemas de amor, é evidente que vou pesquisar o amor, e ao final do livro (que não estou escrevendo) terei relido todos os poemas de amor que eu puder lembrar que eles têm algo a me ensinar.

isto sem fazer pacote dos antepassados. a gente faz pacote demais pra poesia dos poetas que vieram antes. e tem muita gente que nem abre o pacote. e quem sabe sabe que já aprendemos com todas as últimas bolachas do pacote que o lance está em arrebentar todos os pacotes e comer misturadas todas as bolachas e ainda por cima não passar mal, e saber digeri-las.
ay bem haja a água com gás!

*

para ser culto um poeta não precisa comer todas as bolachas do pacote, e se pode nunca sequer ter visto um pacote e ser poeta, poetas do deserto, poetas da cidade, poetas afogados, haja pacote, haja poeta. e eu já estou ficando cansada disso tudo e vou pensar em outras coisas.

digamos que vou pensar na mulher de certa idade que me disse esta semana que morrer deve ser uma libertação, vou pensar em tudo o que ainda não sei o que significa a palavra transcendência, na navegação de todas as possibilidades impossíveis de amar, ouvirei os ruídos de uma lâmpada, e lembrarei das viagens que eu fiz e das que nunca fiz. isto, no poema. 

que é uma fornalha voraz que respira e não entende e pesquisa o mundo em tudo procura quais madeiras, papéis, gasolinas, queimam, não sei se mais rápido, nem mais forte, nem menos ou mais poderoso, gente: isto não interessa. o que interessa é o fogo, que alguém aprendeu a fazer, roubou dos deuses, sei e não sei, mas é o fogo o que o poema transmite.

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